Um ano depois do ciclone bomba, moradores de SC lidam com traumas daquele dia de terror.

Entre pessoas que perderam familiares àquelas que viram o patrimônio ir pelos ares, sentimento é de temor por uma repetição do fenômeno de 30 de junho de 2020.

Um ano depois do ciclone bomba, moradores de SC lidam com traumas daquele dia de terror.
Eram quase 16h quando o professor Giancarlo Balaban voltava para casa naquele dia 30 de junho em Garuva, no Norte do Estado. No céu, as nuvens escuras começavam a surgir, ao mesmo tempo que o vento balançava as árvores das ruas da cidade.

Para ele, a impressão era de que aquele seria mais um dia normal de chuva, assim como os outros inúmeros que presenciou nos cinco anos em que vive no município. Mas não foi. Em questão de minutos, a ventania mostrou toda a força quando as telhas da casa, onde mora com a esposa, começaram a voar.

Pouco depois, o rastro de destruição já assolava toda a região.

Giancarlo é só um entre as milhares de pessoas que foram atingidas por um fenômeno que, um ano depois, ainda traz marcas: o ciclone bomba, considerado pelo governo do Estado como o maior desastre com ventos da história de Santa Catarina. Naquele dia, os catarinenses lidaram com a força de rajadas que ultrapassaram os 130 km/h, junto com tempestades. A estimativa, segundo o informe técnico do dia 21 de agosto da Defesa Civil, é de que ao menos 192 pessoas ficaram desabrigadas e 11.558 desalojadas. Outros 112 ficaram feridos, fora o prejuízo que chega à casa de R$ 682 milhões, em 204 municípios catarinenses, segundo o governo do Estado.

14 vidas perdidas
As dores da passagem do fenômeno, porém, não ficam apenas nos bens materiais. Elas também estão na memória das 14 famílias que perderam alguém naquele dia. A primeira morte ocorreu em Chapecó, no Oeste catarinense, ainda pela manhã. Dorilde Alba Meotti Guadagnin, de 78 anos, estava no quintal de casa quando foi atingida por uma árvore. Depois dela, Miraci Fernandes, Sérgio Idalgo, Vanderlei Oliveira, e outras 10 pessoas perderam a vida — seja no dia ou ao longo da semana, em hospitais.

Além de Chapecó, as mortes foram registradas em Tijucas, Santo Amaro da Imperatriz, Governador Celso Ramos, Rio dos Cedros, Ilhota, Garuva, Balneário Piçarras Itaiópolis, Canelinha e Brusque.

Mas, afinal de contas, o que foi aquele fenômeno?

O professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e doutor em Meteorologia, Dirceu Luis Severo, diz que principal característica desse tipo de ocorrências como a de 30 de junho do ano passado é a intensidade.

— Ciclones são mecanismos na atmosfera para dissipar a energia e fazer com que a distribuição de calor, perto da linha do Equador, até o Sul, seja equalizada. Porém ele é chamado de bomba quando cai um milímetro pascal por um certo tempo, ou seja, quando há uma maior diferença na velocidade dos ventos — explica.

Apesar da tragédia ser atribuída a passagem do ciclone, na época, a Epagri/Ciram emitiu uma nota técnica dizendo que, após avaliação, concluiu-se que os ventos de mais de 100 km/h foram provocados pelas tempestades, antes da passagem do ciclone por Santa Catarina.

“Na tarde do dia 30 de junho foram as tempestades que provocaram os ventos em alguns municípios de Santa Catarina, antes da passagem do ciclone, que atuou principalmente no Sul e Litoral do Estado, no dia 1º de julho, com ventos de menor intensidade”, diz o documento.
 
Segundo a meteorologista da Epagri, Laura Rodrigues, eventos como esse são comuns. O que o diferenciou dos demais e causou tamanha destruição foi a extensa linha de tempestades, que atingiu uma grande área do Estado.

— Embora temporais dessa magnitude ocorram em Santa Catarina, em geral, eles são mais localizados, sem atingir tantos municípios em um único evento, como foi o dia 30 de junho. Além disso, o que diferencia a situação é a influência de vários fatores, como a passagem de frente fria, deslocamento de uma baixa pressão no Oeste e a atuação do jato de baixos níveis — explica.

Ainda segundo Laura, mesmo com os avisos para a possibilidade de ventos fortes, não havia expectativa de que ele teria a força que teve. A mesma posição é compartilhada pela Defesa Civil de Santa Catarina, que afirma que, apesar das reuniões e alertas feitos dias antes da passagem do fenômeno, o impacto foi surpreendente.
 
— Colocamos que a rajada máxima de vento foi de 123 km/h, mas sabemos que tivemos rajadas mais intensas que isso. O nível de destruição foi muito maior e surpreendeu — alega o coordenador de Monitoramento e Alerta, Frederico Rudorff.
 
Traumas para famílias catarinenses
Um ano depois, Gian, como é chamado, afirma que ainda acumula traumas daquele dia em que viu parte da cidade de Garuva arrasada após a tragédia. Segundo dados da prefeitura, cerca de 90% das casas foram atingidas pelo ciclone, sendo que 12 ficaram totalmente destruídas.

— Na academia, em frente de casa, as telhas voaram como se fosse papel. Elas destruíram os carros que estavam estacionados e chegaram a atingir o muro aqui de casa, que caiu com o impacto. Além das telhas, toldos, placas e calhas voaram. Tem calha aqui de casa que eu nunca mais encontrei — relata o professor.

Ele conta, ainda, que a força do fenômeno fez com que a energia caísse, voltando quatro dias depois, já no sábado, dia 4 de julho. Segundo um levantamento da Celesc, 1,5 milhão de unidades consumidoras ficaram sem luz naquele dia. Mesmo conseguindo superar os danos materiais, o sentimento de medo permanece na mente do professor.

— Hoje quando dá um vento mais forte o sentimento daquele dia volta todo na nossa cabeça, principalmente a insegurança e aquele pensamento: o que será que vai acontecer? Será que vamos passar por tudo isso de novo? — desabafa.

Miraci é um das vítimas do ciclone bomba em Santa Catarina(Foto: Arquivo pessoal)
 
Mas, a dor é ainda pior naqueles que perderam alguém para a tragédia, como no caso de Maria Bueno Fernandes, de 61 anos. A filha dela, Miraci Fernandes, de 37, morreu após uma árvore cair no carro onde ela estava com outras duas pessoas no interior de Itaiópolis. Era o dia do aniversário dela.

— Ela era uma pessoa muito boa, querida, muito conhecida na cidade, foi uma tragédia — relembra a mãe.

“Era para eu não abandoná-los”
Maria conta que o sonho da filha mais nova era construir uma casa para que pudesse viver com os três filhos: um jovem, de 18 anos, e duas meninas, de 11 e 8. Para isso, ela batalhava diariamente, seja vendendo bolachas e cucas pelas ruas da cidade ou trabalhando em uma agência funerária:

— O sonho dela era ver os filhos bem e deixar eles com uma situação boa. Até antes [de morrer], ela falou que queria deixar os filhos dela bem e se acontecesse alguma coisa era para eu não abandoná-los.

A última vez que as duas conversaram foi na manhã daquele dia 30 de junho, quando Maria ligou para a filha desejando feliz aniversário. Depois de agradecer, Miraci teria dito: “Mãe, eu te amo”.

— É muito difícil, esse mês é como se fosse os primeiros dias. O trauma fica, porque nós não desligamos, dorme e acorda e fica lembrando o momento — desabafa.

Maior tragédia com ventos de Santa Catarina
A passagem do ciclone bomba é considerada a maior tragédia com ventos da história de Santa Catarina e integra a lista dos inúmeros desastres climáticos que o Estado sofreu nos últimos 50 anos. Em 1974, quase 200 pessoas morreram e mais de 65 mil ficaram desabrigadas ou desalojadas após um longo período de chuvas que encheu o Rio Tubarão e atingiu municípios da região Sul.

Dez anos depois, foi a vez do Vale do Itajaí. As fortes chuvas que atingiram a região em julho de 1983 provocaram o aumento do nível do Rio Itajaí-Açu e, com isso, uma enchente que atingiu cidades como Blumenau e Rio do Sul. Ao todo, 49 morreram e mais de 197 mil pessoas ficaram desabrigadas em 90 municípios catarinenses.

Se pensar em um passado mais recente, uma das tragédias que continuam na memória dos catarinenses é a que ocorreu em 2008, com 135 mortos, 51.297 pessoas desalojadas e 27.410 desabrigadas — a maior parte no Vale. O pior cenário foi em Ilhota, onde o deslizamento do Morro do Baú deixou quase 50 mortos, sendo o epicentro da tragédia daquele ano.

Em relação à passagem de ventos, Santa Catarina também viveu outra tragédia em 2004 com a passagem do Furacão Catarina em março. Ao todo, mais de 27,5 mil pessoas ficaram desalojadas, 36 mil casas danificadas, além de 518 feridos e 11 mortos. Os prejuízos chegaram na marca de R$ 1 bilhão, sendo que 14 cidades decretaram estado de calamidade pública.

Ou seja: Santa Catarina sempre esteve na rota dos desastres climáticos. Mas ainda falta muito para que estejamos, de fato, preparados para lidar com essas tragédias.
 
Os números do ciclone bomba em SC
-192 desabrigados;
-11.558 desalojados;
-112 feridos;
-2,3 milhões afetados;
-91.507 imóveis danificados;
-305 imóveis destruídos.
 
Em Tijucas, três pessoas morreram após galpão desabar (Foto: Corpo de Bombeiros Militar/Divulgação)
 
 
 
Fonte: DC
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