O remédio age bloqueando temporariamente a produção de uma proteína chamada PCSK9, que é responsável por degradar os receptores que captam o LDL do sangue e o levam para dentro do fígado para ser eliminado. Então, ao bloquear a tal enzima, o corpo do paciente tem mais condições de se livrar do colesterol ruim, evitando que ele se acumule nas artérias - o que contribui para a ocorrência de um infarto ou AVC.
De acordo com a série de estudos que comprovou a eficácia e segurança da inclisirana, com duas aplicações ao ano é possível reduzir, em média, 52% dos níveis de LDL. Os testes foram feitos em pacientes que já tomavam a dosagem máxima tolerada de estatina - o principal medicamento utilizado hoje com essa finalidade -, mas ainda não tinham alcançado a meta, de acordo com seu risco cardiovascular.
A inclisirana já é comercializada na União Europeia e nos Estados Unidos desde 2020 e 2021, respectivamente, segundo a Novartis. A expectativa é que o produto chegue às farmácias brasileiras dentro de aproximadamente 90 dias. O preço ainda não foi definido, pois depende de uma avaliação da Anvisa, que segue realizando os trâmites de regulamentação.
O excesso de colesterol ruim (LDL) é um problema que tem se tornado comum por conta do estilo de vida da população, baseado cada vez mais em uma alimentação rica em alimentos ultraprocessados (fontes de sódio, gorduras e açúcar) e inatividade física, afirmam especialistas escutados pelo Estadão.
Ao circular na corrente sanguínea em quantidades expressivas, todo esse mau colesterol não consegue ser totalmente absorvido pelo organismo. O resultado pode ser o entupimento das artérias (aterosclerose), levando a quadros de infarto e/ou AVC.
"Pacientes que já sofreram um ataque cardíaco ou derrame precisam não só reduzir o colesterol LDL, mas controlá-lo, isto é, mantê-lo abaixo de 50mg/dL", informa Raul Santos, cardiologista do Instituto do Coração (InCor-HCMFUSP), professor da Faculdade de Medicina da USP e ex-presidente da Sociedade Internacional de Aterosclerose (IAS).
Mesmo mudando os hábitos de alimentação e atividade física, é muito difícil para esses pacientes de alto risco cardíaco conseguirem atingir a marca de segurança em termos de colesterol, conta Santos. Daí a necessidade da intervenção medicamentosa.
De acordo com Raul Santos e Andrei Sposito, cardiologista especialista em colesterol, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o grande diferencial da inclisirina é que ela ajuda a resolver dois grandes problemas enfrentados atualmente na prevenção de doenças cardiovasculares: a potência e a adesão.
Além de a inclisirina se mostrar mais eficiente do que as estatinas em baixar o colesterol, sua aplicação ocorre via injeção, somente duas vezes por ano. As estatinas, por sua vez, precisam ser tomadas todos os dias, via oral. Assim, a injeção reduz a possibilidade de o paciente abandonar o tratamento ao longo do tempo. Sem falar que ela gera menos risco de efeitos colaterais, já que a substância atinge diretamente o fígado, sem passar pelo estômago.
Um levantamento encomendado pela Novartis à Ipsos, empresa especialista em pesquisa de mercado e opinião pública, mostrou que 64% dos brasileiros desconhecem seu risco cardiovascular e, consequentemente, sua meta de LDL para reduzir a probabilidade de ter um ataque cardíaco e derrame cerebral.
Dos mil entrevistados, 80% disseram conhecer o termo "colesterol". No entanto, quando tiveram que ranquear doenças e condições clínicas cardiovasculares e metabólicas de acordo com o seu nível de preocupação, o colesterol ruim não controlado foi apontado como o "menos preocupante". Enquanto isso, o infarto e o AVC - problemas diretamente ligados ao excesso do LDL no sangue - lideraram o ranking.
Ainda não há estudos confirmando que a inclisirina reduz efetivamente o risco de infarto e AVC ou até mesmo a taxa de mortalidade por problemas cardiovasculares. No entanto, os resultados em relação à diminuição do colesterol, combinados com as especificidades do medicamento, dão esperanças aos especialistas, que esperam por números positivos nesse sentido nos próximos anos.
Sposito aponta, no entanto, que esse tipo de medicamento tende a ser caro, já que há um alto nível de tecnologia por trás de seu desenvolvimento. Por isso, deve ser inacessível para o SUS até que haja a quebra de patente, daqui a 10 anos, possibilitando a produção de genéricos.
A inclisirana é indicada para adultos com hipercolesterolemia primária (de base genética ou comportamental) e dislipidemia mista (quando tanto os níveis de colesterol ruim como o de triglicérides estão elevados). Ela deve ser receitada por um médico, a partir da avaliação do quadro clínico do paciente.
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