A realização do júri dos quatro réus pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central, que aconteceria em 26 de fevereiro, em Porto Alegre, foi suspensa. A decisão é do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro atendeu a um pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Toffoli considerou que a realização de um novo júri poderia causar "tumulto processual", uma vez que ainda há recursos pendentes sobre o primeiro julgamento, realizado em 2021 e anulado pelo Tribunal de Justiça – decisão confirmada depois pelo STJ.
Com esta decisão, o processo fica suspenso até que o STF julgue os recursos do Ministério Público do Rio Grande do Sul e do Ministério Público Federal.
"A realização da sessão do júri designada para ocorrer no próximo dia 26/2/2024 pode conduzir a resultado diverso do primeiro julgamento, causando tumulto processual, não se podendo ainda, por razões óbvias, antever o desfecho do recurso extraordinário", diz Toffoli na decisão.
O ministro ainda comentou que "esse cenário autoriza concluir pela possibilidade de virem a ser proferidas decisões em sentidos diametralmente opostos, tornando o processo ainda mais demorado, traumático e oneroso, em razão de eventuais incidentes".
Para a promotora de Justiça, Lúcia Helena Callegari, que atuou no primeiro julgamento, que ocorreu em 2021, a decisão é uma prova de que a justiça está sendo feita:
— Esta decisão que suspendeu o julgamento atendeu os anseios das famílias, das vítimas e dos sobreviventes. Eles não queriam se deparar com um novo julgamento sem que tivesse uma decisão do STF. A Constituição fala em soberania do Tribunal do Júri, garantia dos vereditos e essa garantia de soberania não estava sendo respeitada até este momento com a anulação do julgamento por questões que entendo inexistentes. Os quatro réus foram condenados e esta decisão que veio do povo tem de ser respeitada.
Em entrevista ao programa Estúdio Gaúcha, da Rádio Gaúcha, na noite desta sexta-feira (9), o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Gabriel Rovadoschi, comentou sobre a decisão desta sexta.
— É uma decisão extremamente favorável à nossa expectativa. A gente buscou suspender esse júri em dezembro do ano passado para que houvesse tempo de o STF julgar esse recurso extraordinário que está lá com eles. Esse pedido não foi atendido e agora o ministro Dias Tóffoli volta a decisão e colabora com essa ideia de suspensão — diz Rovadoschi.
Ele pontua que essa decisão completa um ciclo de recursos jurídicos empregados pela associação para tentar impedir que um novo júri venha a ocorrer.
Anulação do primeiro júri
O novo júri foi marcado para o dia 26 de fevereiro após a anulação do primeiro julgamento, determinada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e confirmada depois de recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Com a decisão, as condenações de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, com penas que vão de 18 a 22 anos e meio de prisão, perderam validade. Eles chegaram a ser presos, mas posteriormente foram postos em liberdade.
O MP havia entrado com recurso junto ao STJ para reverter a decisão da 1ª Câmara Criminal do TJ. Em junho, após voto favorável à rejeição das nulidades por parte do ministro Rogério Schietti Cruz, relator do processo, dois pedidos de vista foram solicitados pelos ministros Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis.
Na retomada da sessão, o ministro Palheiro apresentou voto discordante do relator, empatando a votação. Na sequência, o ministro Reis acompanhou o voto de Palheiro, desempatando o placar. Por fim, votaram os ministros Jesuíno Rissato e Laurita Vaz.
O primeiro julgamento aconteceu em dezembro de 2021, durando 10 dias, e terminou com a condenação dos quatro réus. O incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, completou 11 anos em 27 de janeiro de 2024. A tragédia deixou 242 mortos e mais de 600 feridos.
O que dizem as defesas
Tatiana Borsa, advogada de Marcelo de JesusEm nota, a advogada Tatiana Borsa diz que “a defesa respeita a decisão exarada pelo Ministro Toffoli o qual suspendeu a sessão plenária do Tribunal do Júri”, mas diz que “causa espanto que o órgão ministerial esteja empenhando tanto esforço pela não realização da sessão plenária, causando ainda mais sofrimento a todos envolvidos, familiares, réus e a sociedade de um modo geral”. Veja a íntegra abaixo:
"Era de conhecimento que o MPRS estava em Brasília com o intuito de evitar a realização do júri.
Nos causa espanto que o órgão ministerial esteja empenhando tanto esforço pela não realização da sessão plenária, causando ainda mais sofrimento a todos envolvidos, familiares, réus e a sociedade de um modo geral.
Vamos nos reunir e tomar as medidas cabíveis para conseguirmos reverter essa decisão para que a sessão seja realizada no dia 26/02/2024.
A defesa estava preparada para comprovar a inocência de Marcelo, acreditando que nesse novo julgamento seria feita a tão almejada justiça e não vingança"
Jean Severo, advogado de Luciano Bonilha
Por meio de aplicativo de mensagem, o defensor disse a GZH que estava pronto para o julgamento:
"Respeitamos a decisão do ministro porém estávamos prontos para o julgamento. Ministério Público do RS sentiu que Luciano seria absolvido e FUGIU do plenário. Vamos aguardar o julgamento do recurso e enquanto isso continuaremos a trabalhar cada vez mais forte para a absolvição do Luciano."
Posicionamento foi enviado por aplicativo de mensagem:
"É inacreditável! Estamos desolados pois são meses de preparação! Estão nos tirando a chance de explicar a realidade e a verdade! A covardia institucional é algo que a sociedade deve se preocupar! Qual o medo de realizar um novo júri, mais justo e mais correto? O Ministro suspendeu o júri pelo risco de reversão do julgamento! Escreveu isso! Juridicamente inaceitável. Temos muito que debater sobre isso. Vamos ingressar com recurso e ir pessoalmente ao STF com esta demanda!"
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr
O advogado Jader Marques diz que "respeita a decisão do ministro" e "vai estudar agora quais são as medidas a serem adotadas". O advogado manifestou o seu "descontentamento com a postura do Ministério Público de não permitir que o caso tenha o seu desfecho final a partir de 26 de fevereiro."
— Nós acreditamos que a sociedade, as famílias, inclusive as famílias dos acusados, assim como os quatro que estão sendo levados a julgamento, todas as pessoas esperavam que esse caso pudesse ter fim agora na data aprazada pelo Poder Judiciário, que tomou todas as providências, efetuou gastos consideráveis e que estava pronto para a realização do julgamento. Fica claro que o Ministério Público enfrenta um desgaste muito forte, não só no Estado, mas com a sua imagem sendo atacada em todo o país a partir de uma postura. De trazer apenas quatro réus para julgamento quando a Polícia Civil fizera um indiciamento de mais de 28 pessoas. O Ministério Público definitivamente não quer esse julgamento. Fica, portanto, a espera da defesa de Elissandro Spohr para os desdobramentos do caso no STF.
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