Um dos casos de maior comoção registrados no Rio Grande do Sul ganha um novo capítulo a partir desta segunda-feira (20). Pela segunda vez, a comunidade de Três Passos, no noroeste gaúcho, que amargou a morte do menino Bernardo, aos 11 anos, em 2014, julgará Leandro Boldrini, acusado de ter sido o mentor intelectual da morte do filho. O réu havia sido condenado, em 2019, a 33 anos e oito meses de prisão em regime fechado, mas a decisão foi anulada em 2021, e ele será submetido a novo julgamento. Apesar da anulação do júri, a prisão de Boldrini foi mantida e ele segue recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). O rito ocorre a partir das 9h30min, no Salão do Júri da Comarca de Três Passos, e deve durar três dias.
— Acredito que, ao longo do júri, aumente a mobilização pela cidade. É um caso que marcou muito. É uma tática que algumas defesas costumam usar, de afastar a data do crime o máximo possível do dia do julgamento, porque as pessoas vão esquecendo, a memória e percepção das coisas mudam — comenta um morador do município, que preferiu não se identificar.
MP pedirá pena máxima
— Tenho certeza absoluta de que o Boldrini sabia da morte, de que ajudou a delinear esse caso. Foi ele quem deu a receita do medicamento usado para dopar o menino, ele apagou vídeos do celular, que mostravam Bernardo pedindo socorro dentro de casa, imagens que foram recuperadas pela perícia. No dia seguinte ao desaparecimento, ele estava trabalhando normalmente, fez até compras e passeios. Quando pessoas da comunidade se mobilizaram em buscas pelo menino, ele foi para casa dormir. Ele sabia que Bernardo estava morto — pontua Lúcia Helena.
— Temos relatos de que o Bernardo passava dias em casas de vizinhos e nem madrasta nem o pai ligavam para ele, não procuravam saber onde estava. Justamente no fim de semana que ele supostamente desapareceu, a postura foi completamente diferente por parte do réu. Ele liga para a dentista da criança, procura por ele. Eles acreditavam no crime perfeito.
— O réu corria risco de perder a guarda do filho, e com isso não teria acesso à herança que o menino ia receber da mãe. Se perdesse a guarda, também iria ter de pagar pensão. Com certeza isso ajudou a decretar a morte de Bernardo. A preocupação patrimonial é muito clara neste processo, e o dinheiro foi mais importante do que a vida do filho para o réu.
Durante o júri, o MP também deve mudar de postura em relação ao julgamento de 2019. A condenção de Boldrini foi anulada, em 2021, depois que um recurso da defesa do réu foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS). No entendimento dos desembargadores, o Ministério Público violou o direito do médico de ficar em silêncio no interrogatório. Isso porque, apesar de Boldrini permanecer calado na sessão, o promotor leu em voz alta as perguntas que faria para o médico, o que o teria prejudicado.
— Há até pouco tempo, era comum o promotor fazer as perguntas e o réu permanecer em silêncio. Isso ocorreu em diversos júris e eles não foram anulados. No entanto, esse entendimento mudou, inclusive após a lei de Abuso de Autoridade, e deixou-se de fazer os questionamentos. Se o réu optar novamente por não responder ao MP, vamos ficar em silêncio. Apesar de eu acreditar que essa não é uma escolha inteligente por parte da defesa. Quem é inocente quer contribuir de todas as formas para explicar que não teve envolvimento, e os jurados também veem assim — explica Lúcia Helena, que define a conduta do promotor do caso em 2019 como "perfeita para aquele momento".
O julgamento
Na sessão, os trabalhos serão presidios pela juíza Sucilene Engler Audino. O primeiro ato será o sorteio dos sete jurados dentre os 50 convocados para compor o Conselho de Sentença. Em seguida, serão ouvidas 10 testemunhas (cinco de defesa e cinco de acusação) e, ao final, o réu será interrogado. Assim como em 2019, Boldrini negará envolvimento no crime.
Trasmissão
Contraponto
"Leandro falhou como pai, isso é verdade. No entanto, existe uma distância abismal entre não ser um bom pai, falhar como pai e organizar a morte do filho, querer a morte do filho. A acusação é baseada em conjecturas, todas já destruídas com a prova produzida no processo. Com a convicção de quem leu, releu e tresleu os autos, posso afirmar que a condenação de Boldrini representa um dos maiores erros judiciários dos últimos tempos", diz Vetoretti em nota enviada à reportagem.
Relembre o caso
A situação dos demais réus
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