A Argentina é tri, e Messi, seu novo Deus. O país que tem o Papa e seu Deus próprio, o Diego que alenta lá do céu, agora também é dono do mundo. Da Copa do Mundo. Depois de uma final insana, com reviravoltas e um futebol com o valor de todo ouro do Catar, os hermanos conquistaram o título nos pênaltis. Festejaram ao final de um dos grandes jogos da história.
Foi uma aula de futebol da Argentina no primeiro tempo. Lionel Scaloni abriu mão de um meio-campista e colocou Di María. Mas sem abrir mão da ideia. O Fideo, como o chamam os argentinos, jogou em cima de Kounde, como um ponta-esquerda das antigas.
Do outro lado, De Paul fechou os caminhos de Theo Hernández e deu suporte a Molina no combate a Mbappé. Pelo meio, Enzo Fernández, o grande nome jovem desta Copa, e Mac Allister controlaram as ações de Griezmann e Rabiot. Assim, a França ficou encaixotada.
Até tentou pressionar com a marcação alta na saída dos argentinos. Que em nenhum momento se assombraram. Trocavam passes laterais, usavam o goleiro e esperavam.
Estavam, é verdade também, apoiados como se estivessem em casa. Os mais de 80 lugares do Lusail tinham, em quase sua totalidade, a coloração azul celeste. E pareciam se mexer. Os argentinos mal terminaram o hino e começaram a cantar e pular como se estivessem no Monumental de Núñez, em La Boca, em Tucumán, "a madre de las ciudads", na Terra do Fogo ou em qualquer canto onde se servisse um bom mate e um assado.
Estavam em casa. Como parecem estar desde que começou a Copa aqui no Catar. Reforçados pelos indianos, bengaleses e árabes, apaixonados por Messi, que tomaram conta de Doha e deram à cidade do xeque um ar de "barrio".
Havia razão para essa euforia toda. O time em campo correspondia. Messi jogava com alegria e leveza. Resolvia tudo em um toque, curtia cada lance e sorria. Ao seu lado, há um time que corre, transpira e joga na sintonia dele. Foi assim no primeiro tempo todo. A França sentiu o que seria seu começo de noite quando De Paul, a alma desta seleção, deu uma chegada em Rabiot na lateral direita. Não havia nem dois minutos de jogo, e ele mostrava seu cartão de apresentação.
Show de Messi no primeiro tempo
A pressão alta dos franceses durou oito minutos. Para ser exato. Acabou quando De Paul recebeu na direita, de Messi, e chutou desviado. Di María, a novidade de Scaloni, começava a justificar sua escalação. Por ali, a Argentina sempre encontrava espaço. Aos 12, ele entrou e cruzou para trás. Ninguém aproveitou. A França, com o ar blasé de quem toma um café em Saint-Germain-dés-Pres, começava a ser mastigada por uma Argentina mobilizada, atenta e faminta por essa Copa.
Di María ainda levaria vantagem mais duas vezes até protagonizar o lance que abriria o placar. Eram 21 minutos. Numa saída rápida, Messi deu de primeira para Di María. Ele evitou a saída e partiu para cima de Dembelé. Driblou-o e, dentro da área, foi derrubado pelo atacante francês. Messi cobrou com a calma habitual. Esperou Lloris cair à sua esquerda, colocou na direita e saiu para comemorar.
A festa argentina, que já estava barulhenta, ganhou mais decibéis. O "Muchaaaaachoooo" saiu com mais vigor. Enquanto Messi estava sob uma pilha de companheiros, Dibu se abraçava no poste e tascava-lhe um beijo. Lautaro, no banco, socava o acrílico. Mal sabiam eles que haveria mais. Aos 35, Upamecano se livrou da bola. De Paul, não. Ele dominou tocando para Mac Allister, que passou para Messi, que devolveu para Mac Allister, que cruzou para Di María. O Fideo, reconhecido por ser decisivo em finais, fez o 2 a 0.
A França estava nas cordas. Mbappé ainda não havia dado as caras. Griezmann mal respirava na marcação argentina. Dembelé, depois do pênalti, tinha afundado. Sobravam argentinos em campo, faltavam franceses. O estádio rugia como estádio de Libertadores, não de Copa. Didier Deschamps, aos 40, trocou Dembelé e Giroud por Kolo Muani e Thuram.
Estava apavorado, como se percebia. Lançou as poucas cartas que tinha na mesa e esperou o milagre. A melhor notícia para a França era de que o primeiro tempo tinha acabado. Não era para menos. A Argentina tinha, ali, 55% de posse de bola, contra 32% dos franceses. Havia chutado seis vezes (três no gol), contra nenhuma dos franceses.
França reage no embalo de Mbappé
O segundo tempo começou como o primeiro. A Argentina tinha o controle, trocava passes, era ameaçadora sempre. Messi jogava de primeira. A cada lance, os argentinos davam blitze, recuperavam a bola e saíam soberanos. Chances de matar apareceram, mas sem eficiência. Aos 30, houve troca de passes de De Paul e Messi. A torcida irrompeu em "olé, olé".
Só que minutos antes Deschamps tinha ido para o tudo ou nada e trocado Hernández e Griezmann por Camavinga e Coman. Foi para o tudo ou nada. E levou o tudo. Em dois minutos, empatou. Aos 35, Otamendi se atrapalhou, Mbappé tomou a frente e foi derrubado na área. Ele mesmo bateu e fez. No minuto seguinte, tocou em Thuram e recebeu na frente.
O chute foi uma chicoteada cruzada. Sem chances para Martínez. Foi o segundo chute a gol da França no jogo inteiro, o segundo gol e um novo roteiro. Mbappé quase fez o terceiro. Assim como Messi. Faltou pouco para tudo ser decidido no tempo normal. Mas o mundo merecia mais deste banquete de futebol. E teve.
O drama da prorrogação
A França havia acabado o jogo em cima, agressiva. Lamentou o apito final, inclusive. Deschamps montou linha com Coman, Thuram, Mbappé e Kolo Muani. Jovem e aguda.
A Argentina, por sua vez, perdeu o gás e o norte com o empate. Só conseguiu dar sinais de reação no final do primeiro tempo da prorrogação, com as entradas de Paredes e Lautaro, que perdeu duas boas chances. Veio o intervalo. Deschamps bateu boca com Thuram. Era a tensão. A mesma que fazia os torcedores argentinos cantarem quase murmurando.
Eles só voltariam a rugir aos quatro minutos do segundo tempo. Em contra-ataque, Messi acionou Lautaro. O chute saiu forte. Lloris rebateu e ele, Messi, completou. O zagueiro ainda tirou, mas estava dentro do gol. Houve um instante de vacilo no estádio.
O auxiliar não correu para o meio. O juiz, sim. Os argentinos também. Parecia tudo acabado. Como no tempo normal. Mas veio o pênalti de Montiel. Mbappé bateu e fez 3 a 3. Lautaro e Muani perderam a chance do quarto, e a final mais eletrizante de todas iria para os pênaltis.
Argentina prevalece na marca da cal
Hora dos pênaltis. Mbappé e Messi, os craques das seleções, abriram as cobranças com gols. Depois, Coman parou em Emiliano Martínez e Dybala marcou para a Argentina. Tchouaméni jogou para fora e Paredes marcou. Na quarta cobrança, Kolo Muani até marcou, mas o gol de Montiel deu o título para a Argentina, que agora é tricampeã mundial.
A festa hermana estava só começando. Vai atravessar o Natal, romper o Réveillon e não tem data para acabar. Muchachos, a Argentina é tri.
Salve, Messi, Ele é campeão e está no Olimpo dos grandes do futebol.
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