É o que mostram os números oficiais do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, encaminhados nesta semana pelo Ministério da Economia ao Congresso Nacional.
A restrição é prevista porque, embora a meta fiscal tenha sido flexibilizada – a queda de receita deve elevar o déficit nas contas do governo –, está mantido o chamado teto de gastos, pelo qual a maior parte das despesas não pode subir acima da inflação do ano anterior.
Por isso, a previsão do governo para as chamadas despesas discricionárias (aquelas não obrigatórias, que podem ser definidas livremente pelos ministérios) é decrescente a partir de 2021.
Entre os gastos não obrigatórios, estão, por exemplo, investimentos públicos em infraestrutura; ações de defesa agropecuária; bolsas de estudo, de pesquisa e para atletas; emissão de passaportes; Farmácia Popular; fiscalização ambiental; aquisição e distribuição de alimentos para agricultura familiar; despesas administrativas do governo (água, energia elétrica, serviços terceirizados).
No gráfico, as cifras entre 2021 e 2023 estão acrescidas de R$ 20 bilhões, valor que, segundo o secretário de Orçamento Federal do Ministério da Economia, George Soares, é o esperado para as chamadas emendas impositivas de deputados e senadores. Até 2020, o valor real das emendas já está registrado. Mas, de 2021 em diante, não tinham sido inseridas no projeto de LDO enviado ao Congresso, explicou George Soares, porque as emendas são contabilizadas quando alocadas pelos parlamentares, o que ocorre somente durante a tramitação da lei orçamentária anual.
O projeto de orçamento de 2021, por exemplo, será enviado pela área econômica ao Congresso no fim de agosto e, só durante a discussão no Legislativo, as emendas impositivas serão incluídas nas previsões. Os orçamentos de 2022 e 2023, por sua vez, serão discutidos somente nesses anos – quando as emendas serão também alocadas.
2020
Para este ano, embora até o momento esteja previsto um limite baixo para os gastos não obrigatórios (R$ 125 bilhões), o governo aprovou um decreto de calamidade pública em razão do coronavírus – pelo qual a meta de déficit fiscal foi abandonada – e passou a efetuar gastos extraordinários em saúde e em medidas de preservação do emprego e da renda, como o auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais. A previsão é gastar mais do que R$ 285 bilhões neste ano com ações contra o coronavírus.
Para fazer frente a esses gastos extraordinários, o governo está editando créditos extraordinários, que estão fora do teto de gastos.
"Quando suspende o resultado [meta de déficit, por conta do decreto de calamidade pública], suspende o contingenciamento [bloqueio de recursos] e pode aumentar as despesas discricionárias [não obrigatórias], que estão liberadas. O governo não tem instrumento para limitá-las", explicou o diretor da Instituição Fiscal Independente, Daniel Couri.
Com o aumento de despesas, o déficit primário (despesas maiores que receitas, sem contar juros da dívida pública) deve ficar próximo dos R$ 500 bilhões neste ano e bater recorde histórico.
Nesta semana, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, informou que todas as medidas anunciadas para combater a crise terão duração, no máximo, até o fim deste ano.
"Todas as medidas estão concentradas em 2020 porque é um choque transitório. Se o choque é transitório, as medidas devem ser transitórias para ter a retomada da economia. E depois voltar à nossa estratégia de ajuste fiscal e combate à má alocação de recursos, que estava dando certo", disse Sachsida, durante videoconferência.
Limitações a partir de 2021
Ao divulgar o projeto da LDO de 2021 nesta semana, o governo informou que não editará mais despesas extraordinárias (que estão fora do teto de gastos) a partir do ano que vem. Somente serão autorizadas capitalizações de estatais – necessárias para a venda dessas empresas.
Com o teto de gastos mantido para os próximos anos, as despesas não obrigatórias estão autorizadas, até o momento, em R$ 122 bilhões (2021), R$ 105 bilhões (2022) e R$ 88,9 bilhões (2023), já considerando as emendas parlamentares, que ainda serão alocadas.
Em 2017, quando os gastos não obrigatórios somaram R$ 128 bilhões, houve impacto nos serviços públicos: a impressão de passaportes e as fiscalizações contra o trabalho escravo chegaram a ser suspensas ou reduzidas; houve redução nos recursos para as universidades federais (parte administrativa, sem contar salários de servidores ou aposentadorias); e queda nos investimentos públicos em infraestrutura.
Ao G1, o secretário de Orçamento Federal, George Soares, admitiu que o limite para despesas não obrigatórias dos ministérios "vai ficar a cada ano mais apertado" nos próximos anos.
E acrescentou: "Precisa de medidas de contenção de despesas obrigatórias [para abrir espaço para as não obrigatórias] – ficar sem reajuste para servidores, rever programas etc".
Segundo Daniel Couri, da IFI, órgão ligado ao Senado Federal, o limite para gastos não obrigatórios em 2021 ainda é possível de ser cumprido, mas ele avalia que, de 2022 em diante, isso se tornará inviável sem a redução de gastos obrigatórios.
"O que está implícito nos números do governo é que o teto, a partir de 2022 e 2023, só se cumpre se fizer alguma reforma administrativa. Mas a pressão [depois da crise do coronavírus], vai ser contrária. Já falam em aumentar o BPC [Benefício de Prestação Continuada, pago a pessoas com deficiência ou idosos que comprovem não ter meios para sobreviver] e em tornar a renda básica permanente", declarou.
Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e ex-secretário de Política Econômica do antigo Ministério da Fazenda, afirma que, em 2021, certamente haverá um problema evitado neste ano. "Esse problema é o do teto [de gastos], que está baixo", declarou.
Em rede social, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa observou que o teto de gastos limita os investimentos públicos. Para ele, a próxima mudança necessária será justamente revisar essa regra para aumentar o investimento e favorecer a retomada da economia. "A medida é meio óbvia, mas, no Brasil das trevas do fiscalismo de planilha, a realidade demora para se impor", avaliou.
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